Tempos
contemporâneos. Nosso tempo
de hoje, filho dos ontens e pai dos amanhãs.
Possivelmente
estejam errados aqueles que acreditam que somente o macho esteja em crise por
conta da mudança do comportamento das mulheres.
Meu amigo
me contou um episódio que me fez desconfiar, uma vez mais, da possibilidade de
afirmarmos algo com tanta certeza que não caiba sequer uma sombrinha de dúvida
ou alternativa.
Pois bem,
em uma certa noite, uma amiga do meu amigo fez contato telefônico com ele. Ela
precisava de um ouvido amigo naquele momento. Outra característica atual: na
dificuldade de emprestarmos os ombros amigos, ou quaisquer outras partes do
corpo, presencialmente, vamos de telefone, e-mail, redes sociais e assim por
diante. A tecnologia criando mais um paradoxo nas relações interpessoais:
aproximações com cara de distanciamentos ou distanciamentos com cara de
aproximações?
De qualquer
forma, contou-me o meu amigo, essa amiga estava vivendo um dilema sentimental.
Antes da ação dramática, um pouco mais sobre a protagonista...
Moça bonita,
atraente e profissionalmente bem encaminhada, ela vinha, há algum tempo,
buscando um relacionamento que pudesse ser classificado como estável. Parecia
estar cansada das alcunhas que se emprestam às modalidades menos convencionais,
ainda que seculares, de encontros íntimos entre seres humanos. Amizade
colorida, affair, romance, lance,
caso, PA (quem sabe o que é, já sabe, quem não sabe, não saberá por mim... pelo
menos não por ora). Tendo já
passado por pouco da casa das trinta primaveras, ela queria, como diz o
populacho, sossegar o facho. Latejava nela o desejo de namorar. Aquela coisa
mais tradicional, de pedir em namoro, estabelecer uma rotina pretensa e potencialmente
saudável, sair de mãos dadas, sorvete na praça (ainda existe sorveteria em
praça?), cinema no shopping, tardes de domingo na casa da sogra vendo Faustão
etc.
Depois de
algum tempo solteira, um par de anos, mais ou menos, ela trouxe uma situação de
vida íntima que demandava reflexões e atitudes. Contou ela ao meu amigo que,
após tantos e tantos meses de reclamações por conta da frágil oferta de homens
qualificáveis para uma relação como a descrita, ela finalmente estava empolgada
com algo que acontecera. No entanto, rapidamente a empolgação virou ansiedade. O
motivo? Apareceram dois fortes candidatos em menos de um mês, ambos com
potencial de avançar na estrada do seu coração.
E agora? O que fazer? Depois da
estiagem, a invernada tinha chegado. Depois da tempestade sem chuvas de beijos,
a bonança trouxe à sua porta dois rapagões que despertaram sua atenção de
maneira intensa.
Meu amigo,
prontamente, ao ouvir aquele relato, logo disse que ela era uma sortuda, e que,
afinal, poderia se acertar com alguém bacana. No primeiro momento, a lógica da
resposta acalmou a amiga do meu amigo. Porém, instantes depois, ela foi
visitada por sua herança moral, por seus princípios e valores. Certos ou
errados, quem ousa julgar? O fato é que ela respondeu que estava se sentindo muito
"danadinha, serelepe, solta, fácil", para não usar termos menos elegantes,
por estar começando a se envolver com dois caras, simultaneamente. No auge de
seu constrangimento, ela teria dito ao meu amigo:
- Você não
acha que eu sou uma vaca por isso, né?
Naquele
momento, os ouvidos do meu amigo, que estavam meio distraídos (algo recorrente em
muitos dos quase-diálogos humanos), ouriçaram-se feito orelhas de cachorro pastor
alemão! Afinal, a sua amiga estava confessando algo deveras instigante. Ele não
resistiu e foi logo perguntando:
- E aí, já
conheceu o potencial dos dois?
Pelo que eu
conheço do meu amigo, ele não estava querendo saber do número de QI deles, mas,
sim, da performance de cada um no "vamos ver!". Só que ela respondeu de
forma a colocá-lo em seu devido lugar, assim como lustrar a sua honra:
-Ei, calma
aí. Não é porque eu disse que estou conhecendo dois caras que eu preciso ter transado
com os dois.
- Não?,
retrucou o meu amigo.
- Claro que
não. Eu não consegui avançar com nenhum dos dois. Mas, ao mesmo tempo, eu
precisaria fazer um test drive também nesse departamento.
- Concordo
contigo. Se você seguir adiante por mais um tempo com os dois, ficará difícil
segurar. Eles já tentaram?
- Já. E eu
só me fazendo de boba, escapando cada dia com uma desculpa diferente. Aliás,
foi por isso que eu te liguei. O que eu faço?
- Olha,
minha cara. Acho que você tem que seguir conhecendo os dois um pouco mais. Se
você quiser experimentar o pacote completo, sinta se vai ficar bem com isso. Se
não quiser experimentar tudo com os dois, experimente primeiro com aquele que
você estiver curtindo mais. Daí, se for bom, você nem precisa provar o outro.
Entendeu?
Ela
respondeu que sim, que era uma boa estratégia. Antes de desligar, ela perguntou
novamente:
- Eu não
sou uma galinha por isso, né?
Meu amigo
nem respondeu, deixando a risada cumprir o papel de resposta com alto teor de
nebulosidade. Pura provocação dele. Pelo que eu conheço de suas crenças em
relação à sexualidade humana, meu amigo é bastante bem resolvido. Está a fim de
dar, dê. Está a fim de receber, receba. Está a fim de ousar entre quatro
paredes, ouse. Só não prometa o que não pode cumprir, não cobre o que não lhe
foi prometido e não pule do trampolim se tem mais medo de cair do que de voar.
Dias
depois, veio um novo capítulo da história. A amiga do meu amigo telefonou para
ele com uma atualização. Ela havia tomado uma decisão e queria compartilhar.
Antes que ela começasse, no entanto, ele mandou uma pergunta:
- E aí,
gostou mais de qual?
Como a
pergunta fora feita com uma explícita malícia, ela cortou o clima de sacanagem e
começou a explicar. O passar dos dias, o bom e velho tempo, mostrou a ela qual
dos dois era o mais indicado. Ela nem precisou ir, digamos, a fundo, para
descobrir com qual sentia mais sintonia.
Ela
decidira, no trato cotidiano com os dois, se respeitar. Embora os pretendentes
tivessem promovido, com mais ou menos sutileza, oportunidades para um encontro
mais íntimo, ela esperou um pouco mais para saber o que queria mesmo fazer.
Pelo que ela contou ao meu amigo, aquele era o jeito dela. Sem grandes defesas
de algum tipo de moralismo barato, ela simplesmente se respeitou, assim como
afirmou respeitar as moças que preferem ir logo ao prato principal, para
depois petiscar.
O curioso,
contou-me meu amigo, foi o que fez a sua amiga decidir por um e se afastar do
outro:
- Algo que
a gente via acontecer mais no sentido inverso, disse-me ele.
Um dos
rapazes que cortejavam a amiga do meu amigo começou a grudar muito. Eram
diversas mensagens todos os dias, além dos e-mails, posts nas redes sociais e
telefonemas. O auge do "grudentismo" se deu com uma ligação numa
quinta-feira, quando ela ouviu dele que o final de semana todo estava
programado, pois eles iriam para a praia e não sei aonde e não sei mais o quê.
Ela ficou arrepiada, só que no mal sentido. Sentiu-se pressionada, sufocada,
cercada... E resolveu correr. Disse ao meu amigo:
- Eu senti
na pele o que eu costumava fazer quando eu namorava.
No final do
papo, ela confidenciou ao meu amigo que a sua escolha fora absolutamente
acertada. As várias semanas de espera, somadas à aproximação e sintonia gradativas,
prepararam o terreno para um encontro deliciosamente excitante entre corpos e
sentimentos. Parece que até hoje estão colocando o "papo" em dia... rsrs